um dia, alguém muito importante me falou que não tinha mais orgulhos pessoais
isso me esquentou como um tapa
logo quem, logo eu, logo o orgulho
minha reconstrução toda feita em cima de minhas medalhas, e vc vem me dizer que não tem mais orgulhos pessoais, como se isso fosse uma grande evolução
diz que está bem, que é feliz, que nunca esteve tão em si, e que andar na ponta dos pés não é mais um hábito
me senti tão pequeno, tão infantil
logo quem, logo eu, logo a maturidade
minha vida galgada em minhas dores, meus diferenciais marcados pela idade forçada antes da hora
auto-conhecimento, coragem, aceitação, harmonia, fluidez
zazen
me fez invejoso, querendo tudo isso
tantos sentimentos espinhosos brotando em mim, quando tudo que eu queria era o perdão silencioso e um retorno que ficou impossível há muito tempo
me tornei amargo, mesmo que essa amargura tenha sido destilada em silêncio
era muita coisa em jogo, mais do que vc pode imaginar
logo quem, logo eu, logo com vc
isso passou
dos meus orgulhos, dentre todos que compõe meu caos pessoal, um dos maiores é a minha capacidade de aprender, principalmente quando dói
foi bom ouvir um não, foi bom que tenha doído, foi bom me sentir pequeno
isso é coisa rara, meus sistemas impedem esse tipo de auto-percepção
(sim, necessito constante evolução, felizmente)
e uma dose de realidade se faz necessária, principalmente quando todas as suas defesas estão esquecidas e seu coração está na mesa
morri naquela noite, meu cadáver ficou na mesa do café, minha alma acompanhou vc até sua casa, para desaparecer, logo depois, no seu passado
essa parte da história termina aqui, junto com minha morte naquele café
mas, como não poderia deixar de ser, aquilo que sou sobreviveu, e como sobrevivente, não soube outra coisa além de vagar até em casa, para a continuidade daquilo tudo que eu queria mudar quando me joguei, esperando suas mãos na vazio, mãos que nunca vieram (nem nunca poderiam ter vindo, hoje eu sei)
sobrevivi, sim
logo quem, logo eu, claro que sobrevivi
essa é minha especialidade, vc não sabia?
o que era amargura esfriou numa dor mais branda, num aprendizado importante, mais um bloco nessa construção torta
vc ainda é muito importante, tenho a impressão que isso nunca vai mudar
me pergunto o que faria se te esbarrasse numa festa
acho que sentiria vergonha,
vergonha de minhas esperanças e tentativas, vergonha de ter acreditado que ainda valia a pena, que o esforço era válido, mesmo com tantos anos corroendo as lembranças do que foi bom
(sim, vergonha, eu sou um ser de orgulhos, não se esqueça)
talvez não falasse com vc, talvez pensasse que tudo que eu tenho pra te oferecer não importa mais, que fiquei muito para trás em minha pequenez de alma, em minhas metas tão terrenas
ou, talvez não, talvez conversássemos pacificamente, e eu poderia te contar como foi importante morrer naquele café, como foi longo o caminho que eu percorro, e como tenho um enorme carinho por tudo que passou, mesmo que sabendo que aquele sonho morreu junto de mim.