Sobre uma Porta Branca, que vibra quase imperceptivelmente
porta número 15, esse é o número certo. 15.
nada de diferente das outras portas, além do fato de ser a décima quinta. não sei exatamente pq a escolhi. não sei se escolhi, na verdade, mas uma vez escolhida, me parece perda de tempo exigir os porquês.
de volta a porta, ela é branca.
os números, cobre falso, daqueles que são de plástico, cor asa-de-barata. os números serifados, naquele estilo portão de casa, arrojo em fôrmas.
me parece que uma vibração vem do outro lado, mas nada muito perceptível. uma certa vida, por assim dizer, vibrando nas dobradiças, mas nada muito perceptível. posso até imaginar alguns significados, posso me colocar no centro de uma história, onde o pulsar vem pesado de significados, e cada variação de tom guarda uma mensagem secreta, de decifração impossível, mas a vibração não é assim tão perceptível.
uma vez diante da tal porta, branca, com números em cobre-falso, vibrando, mas nem tão perceptivelmente assim, me resta decidir o próximo passo. quantos passos são possíveis diante de uma porta branca vibrando discretamente?
- bater educadamente
- abrir de supetão
- abrir com cautela
- colar o ouvido para saber se alguém está
- dar meia volta e ir embora
- sentar, costas apoiadas no branco que vibra quase imperceptivelmente, e ponderar sobre a natureza das portas brancas
portas brancas poderiam ser uma metáfora do inefável.
não uma metáfora sobre o inefável, mas uma metáfora criada pelo inefável. uma porta branca, a décima quinta, pode guardar tudo dentro de si.
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esta porta número 15, branca, com uma vibração quase imperceptível, tem um aparato de abertura.
digo aparato de abertura, ao invés de maçaneta, pq maçaneta é pouco para o aparato de abertura. existe uma maçaneta, sim, mas ela se encontra no centro de um halo branco e gelatinoso, pontilhado de pequenas manchas dançantes que são, na verdade, infinitas pupilas histéricas. este halo me parece, acreditem, com fome. fome de identificar, de cumprir sua função, e mais que isso, fome pela falta de propósito. a saciedade dos justos cumpridores do seu quinhão.
para abrir a porta, é preciso colocar a mão no centro do halo, para assim alcançar a maçaneta. no intervalo entre o começo da mão e o segurar da maçaneta, enquanto vc abre espaços na quase-carne translúcida, todos os seus sonhos são contabilizados, classificados e armazenados. suas conexões para a felicidade são especificadas e, no fim, o aparato de abertura sabe. sabe a ponto de renegar sua mão, numa lição dolorosa para aqueles que tentaram a porta que não lhes pertencia.
agora, diante da porta branca, número 15, de vibração quase imperceptível, e aparato de abertura cruelmente surreal, me pergunto o que fazer.